Tínhamos 15 anos e uma amizade
cinzenta, cor de chumbo derretido.
Não me lembro de como nos tornamos amigas; lembro apenas que,
tanto ela quanto eu, nunca éramos convidadas para os jogos durante o intervalo e,
muito menos, para as festas das meninas mais populares do colégio.
Acho que nos tornamos amigas por não ter outra opção.
Fato é que ela era minha única amiga e por isso o título de
‘melhor amiga’ era dela.
Apesar de sermos opostas em quase todas as áreas, juntas, aprendemos
o respeito e a dedicação que uma amizade exigia.
Foram praticamente quatro anos de amizade aprendida; amizade que
precisava se fazer conquistada.
No quarto ano, nossa amizade começou a criar traços mais leves e
cores mais bonitas mas, mesmo assim, teve
um fim.
O que aconteceu?

Bem, eu mudei.
Mudei de turno.
Comecei a trabalhar e isso me levou a outros caminhos.
Percebi que nossa amizade não
tinha apenas cor de chumbo, mas também era feita de papelão.
Choveu distância e pronto: a amizade desbotou, rasgou, virou
nada!
Se foi a mudança que tive ou a ‘não mudança’ dela que nos fez distantes, não
sei.
Mas sei que sinto falta dela.
Sinto falta das risadas durante o intervalo e dos passeios até a
biblioteca.
Ela era ótima aluna e nossas notas eram motivo de muita
competição.
Não era uma competição rude
ou ciumenta, era competição divertida: ela sempre ganhava em matemática e eu
sempre vencia em filosofia.
Sinto saudade. Dela. Dela e de inúmeras pessoas que passaram pela
minha vida.
Pessoas de alma e pessoas possuídas pela ambição.
Pessoas de tamanhos diferentes e com a alma do tamanho do mundo.
Pessoas que jamais dividiam um chocolate e, outras, que sonhavam em dividir uma
vida.
Inúmeros contrastes, múltiplas diferenças, mas sempre pessoas.
Ano passado fiquei sabendo que o
pai dela morreu. Fiquei sem rumo.
Minha amiga perdeu o pai eu não
estava lá.
Me sinto culpada.
Tentei de algumas maneiras entrar em contato.
Não consegui.
Doeu mais ainda.
Minha amizade cor de chumbo me ensinou
que a gente nunca sabe quando será o último dia, quando os passos irão se
desencontrar, quando seremos assaltados pela vida ou levados pela distancia.
Se eu pudesse voltar atrás, deixaria minha amizade um ou dois tons
mais clara.
Falaria mais vezes o quanto seus conselhos eram importantes e não pouparia
nem um abraço sequer.
Perdoaria mais vezes e mais rápido.
Me importaria menos com as notas e mais com os intervalos.
Falaria mais sobre aquele moço estranho que ela paquerava e até
bancaria a cupido.
Essa foi a única amizade cor de
chumbo que tive.
Hoje tenho amizades verdes, azuis e brancas e devo
isso a ela, à pessoa que me ensinou a ser amiga.
É uma pena que ela nem desconfie
disso.
Luciana Leitão